Quando o Amor caminha ferido entre as pedras do mundo
Nesta aula, seguimos no percurso da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, entrando no momento em que Ele carrega a cruz até o Calvário — um dos atos mais dramáticos e silenciosamente eloquentes da Redenção. Aqui não há discursos longos, mas cada passo de Jesus, cada tropeço e cada gota de sangue derramada fala mais do que qualquer palavra: é o Amor que caminha sob o peso da nossa culpa.
A tradição da Igreja sempre viu no caminho de Jesus ao Calvário não apenas um evento histórico, mas uma via mística, um sacramento vivo da entrega de Deus por nós. O Verbo encarnado, que podia salvar com uma palavra, escolhe salvar com o corpo exaurido, os ombros rasgados, o olhar turvo de sangue. Ele não foge da dor — Ele a assume. E ao assumir, Ele a santifica.
Os Evangelhos descrevem esse momento com sobriedade. João, em 19,17, diz com clareza:
“E Ele mesmo, carregando a sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, que em hebraico se diz Gólgota.”
Nos Sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas), aprendemos que, em certo ponto do caminho, Simão de Cirene é forçado pelos soldados a ajudar. Isso não contradiz João, mas o complementa: Cristo começa carregando sozinho a cruz, mas, exausto por tudo o que já havia sofrido — flagelação, humilhação, coroação de espinhos —, precisa da ajuda de um homem comum. E isso não é um detalhe técnico, mas uma revelação espiritual: Deus quis, até mesmo na hora da sua entrega total, envolver o ser humano na obra da salvação.
Simão de Cirene torna-se, assim, um ícone da humanidade chamada a cooperar com a graça. Ele não se ofereceu. Foi forçado. E, no entanto, aquele gesto marcou sua vida para sempre. Não é assim também conosco? Quantas vezes somos arrastados a um sofrimento que não escolhemos — e ali, sem perceber, tocamos na cruz de Cristo?
O caminho da cruz é feito em meio ao povo. Lucas menciona que mulheres choram por Jesus, e Ele, mesmo ferido, encontra forças para consolá-las. Ele está sendo esmagado pela madeira, pelas dores, pela zombaria, e ainda assim se preocupa com os outros.
Isso não é apenas humanidade. Isso é realeza.
Nesta aula, somos convidados a entender que a cruz não começa no Calvário: ela começa no caminho.
Cada queda, cada escárnio, cada passo com o corpo ferido e alma em agonia são parte do altar da redenção.
A rua estreita, suja, com pedras irregulares, torna-se a via régia do céu.
Mas essa meditação não é apenas histórica. Ela é existencial.
Jesus não carregou uma cruz simbólica. Carregou a nossa. E ao fazê-lo, nos ensinou o que significa amar até o fim.
Essa cruz reaparece na nossa vida diária:
Na doença longa e sem explicação.
Na injustiça sofrida em silêncio.
Na solidão que não se escolheu.
No perdão que parece impossível.
Na fidelidade que custa.
Cada um carrega uma cruz, e a maior tentação do demônio é fazer-nos crer que ela é inútil.
Mas Cristo, ao passar por esse caminho, tornou todo sofrimento potencialmente redentor.
Nesta aula, contemplamos esse mistério com reverência. E aprendemos:
Cristo não fugiu da cruz. Ele a tomou. E nos convida a fazer o mesmo.