O Rei coroado pela dor: quando o escárnio revela a realeza
Nesta aula, damos continuidade ao nosso curso sobre os relatos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, adentrando o momento comovente e espiritualmente denso da coroação de espinhos. Trata-se de uma das cenas mais simbólicas da Via Dolorosa, não apenas pela dor física envolvida, mas pelo profundo significado espiritual escondido sob o véu do escárnio.
É comum ao ser humano rejeitar o que não compreende. Quando Deus se apresenta sem glória visível, sem poder aparente, sem honra humana, a resposta natural é o desprezo. Isso aconteceu com Cristo. Ele é zombado exatamente por ser aquilo que é: Rei. A humanidade, incapaz de entender uma realeza que se manifesta na humildade, transforma o trono em patíbulo, a coroa em instrumento de dor, e a saudação em deboche.
Essa aula nos convida a confrontar o paradoxo da Paixão: Deus se deixa ridicularizar. Aquele que criou os espinhos, agora os recebe como coroa. Aquele que reina sobre os exércitos celestes, agora é vestido de escárnio com um manto escarlate, enquanto uma coorte inteira se curva diante d’Ele com ironia, mas sem saber, proclamando uma verdade eterna: “Salve, Rei dos Judeus!”
Este episódio é narrado com sobriedade e precisão nos Evangelhos. Em João 19,2, lemos:
“E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, colocaram-na sobre a cabeça de Jesus e o vestiram com um manto de púrpura.”
Nos Evangelhos Sinópticos (Mateus e Marcos), o episódio aparece como uma etapa posterior à flagelação e imediatamente anterior à subida ao Calvário. É significativo que todos os evangelistas incluam esse momento, pois nele se concentra o contraste entre aparência e realidade, entre zombaria e revelação.
Na tradição cristã, os santos, os místicos e os teólogos sempre viram na Coroação de Espinhos muito mais que uma agressão cruel: ela é uma revelação invertida da verdadeira majestade de Cristo. O Cordeiro que será imolado é aqui apresentado como Rei — não com os símbolos humanos da glória, mas com os sinais espirituais da obediência e do sofrimento redentor.
Além disso, esta cena revela um mistério moral e existencial: a humilhação não destrói o amor, mas o revela. Cristo não responde, não resiste, não se defende. Ele permanece em silêncio, oferecendo, em cada golpe, uma resposta redentora. Ele é o Rei que não impõe, mas que se deixa ferir; que não domina, mas que reina pelo amor que suporta todas as dores.
No plano pessoal, somos chamados a perguntar: em que medida também zombamos da realeza de Cristo?
Quando colocamos nossos critérios acima dos Dele; quando buscamos um Messias à nossa medida; quando usamos palavras religiosas para ocultar o orgulho e o desejo de poder — também nós, com nossa indiferença, cuspimos no rosto da Verdade.
A verdadeira realeza de Cristo não brilha aos olhos do mundo. Por isso, esta aula é também uma convocação à fé madura, à reverência e à humildade. A Cruz, que o mundo rejeita como loucura, é sabedoria de Deus. E a coroa de espinhos, que o mundo vê como maldição, é para nós o sinal do Rei que transformou o sofrimento em redenção.