O Que é a Bíblia
Uma Biblioteca Sagrada, uma Palavra Viva
Iniciamos hoje mais uma empreitada dentro do nosso apostolado Amigo Católico. Com grande alegria, damos início ao curso Introdução à Sagrada Escritura, pedindo desde já a graça de Deus e a luz do Espírito Santo para nos guiar nesse caminho. Que Ele inspire nossas palavras e abra os corações de todos que se colocarem a escutar. Invocamos também a intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, para que tiremos o maior proveito deste curso. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Este curso é, por assim dizer, o primeiro módulo de um aprofundamento bíblico que, quem sabe, poderá futuramente se expandir. Por ora, queremos lançar as bases: ajudar você a entender o que é a Bíblia, como ela foi formada, qual seu sentido e como interpretá-la corretamente. Trata-se de um voo panorâmico, uma introdução geral, um guia para que, ao final, você esteja mais preparado para mergulhar na leitura bíblica com clareza e segurança.
Para entender a Bíblia, é preciso antes entender o que é Revelação. Deus nos criou por amor e para o amor. Ele não precisava de nós, mas quis, em sua bondade infinita, criar-nos para que participássemos de sua glória. E, para que o amássemos de verdade, Ele precisou se revelar. Como nos diz a própria Escritura, Deus habita uma luz inacessível — não poderíamos conhecê-lo por nossas próprias forças. Foi, portanto, Ele quem tomou a iniciativa de se mostrar, de falar conosco.
E Ele o fez de maneira progressiva e pedagógica. Essa é uma chave essencial para compreender a Sagrada Escritura.
Imagine um treinador que encontra alguém na UTI e deseja prepará-lo para correr uma maratona. Ele não pode simplesmente dizer: “Corra comigo amanhã”. É necessário tempo, recuperação, treino. Assim também é com Deus: Ele vai nos conduzindo passo a passo. E a Bíblia registra esse processo.
A Bíblia é a memória viva da Revelação de Deus. Nela estão registrados os atos e palavras com os quais Ele se revelou ao longo dos séculos. Não se trata de um livro comum, mas da história da ação pedagógica de Deus, que começa com Abraão, passa pela formação do povo de Israel e culmina em Jesus Cristo, a plenitude da Revelação.
Por isso, é fundamental entender que certas passagens do Antigo Testamento — com costumes estranhos, leis rígidas, guerras e punições — só podem ser bem compreendidas se vistas sob essa luz pedagógica. Deus formava um povo, educava corações endurecidos, preparava o terreno para a vinda de seu Filho.
O nome “Bíblia” vem do grego ta biblía, que significa os livrinhos. Originalmente, os textos eram escritos em papiro — um material obtido de uma planta chamada bíblos — e enrolados em rolos. Cada rolo era um biblion, e o conjunto deles, biblía. Com o tempo, esse plural grego passou a ser tratado como singular no latim: Biblia, “o Livro por excelência”.
A Bíblia não é, portanto, um único livro, mas uma biblioteca sagrada, composta por 73 livros (na versão católica): 46 no Antigo Testamento e 27 no Novo Testamento.
Esses livros são chamados canônicos, ou seja, estão dentro do “cânon”, da medida sagrada estabelecida pela Igreja. O termo cânon vem de uma régua usada na antiguidade como padrão de medida — o que está dentro do cânon está dentro do padrão estabelecido pela fé da Igreja.
Além dos canônicos, há os deuterocanônicos (como Tobias e Sabedoria), que foram reconhecidos mais tarde como inspirados, e os apócrifos, que a Igreja, iluminada pelo Espírito Santo, discerniu como não inspirados — embora possam ter valor histórico.
A Igreja Católica adotou o cânon da Septuaginta, tradução grega do Antigo Testamento feita por judeus no Egito, a pedido do rei Ptolomeu, cerca de três séculos antes de Cristo. Essa era a versão usada na época de Jesus e dos apóstolos, e por isso foi adotada pela Igreja desde o início.
No entanto, por volta do ano 90 d.C., após o crescimento dos cristãos, os judeus realizaram o chamado Concílio de Jâmnia, no qual definiram critérios diferentes e excluíram sete livros da Septuaginta. Esses critérios incluíam o idioma (só livros em hebraico), o uso litúrgico nas sinagogas e o período histórico (livros escritos antes do exílio da Babilônia). Assim, retiraram: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, 1 e 2 Macabeus.
Os protestantes, ao se separarem da Igreja no século XVI, adotaram esse cânon menor dos judeus. Mas, como disse Santo Agostinho: “Eu não creria no Evangelho se a isso não me movesse a autoridade da Igreja.”
A autoria da Bíblia é dupla: o autor principal é Deus, mas Ele se valeu de homens — os hagiógrafos — para escrever, inspirando-os sem suprimir suas personalidades, culturas ou contextos. Como ensina o Catecismo (n. 106), esses autores humanos escreveram tudo e apenas aquilo que Deus quis.
Portanto, a Bíblia traz palavras humanas e, ao mesmo tempo, é Palavra de Deus. Por isso, é necessário interpretá-la com critérios específicos.
Cada livro bíblico foi escrito em um tempo, cultura e situação específica. Para compreendê-lo bem, é necessário estudar o ambiente do autor. Por exemplo:
Abraão sai da Mesopotâmia — mas o que era a Mesopotâmia?
São Paulo, ao escrever aos Tessalonicenses, os repreende por pararem de trabalhar esperando o fim do mundo. Saber que havia essa expectativa imediata muda totalmente o sentido da frase: “Quem não trabalha, não coma.”
Em sua carta aos Filipenses, escrita na prisão, São Paulo fala 16 vezes de alegria. Saber disso ilumina a leitura: trata-se de uma carta de esperança, não de desespero.
A Bíblia usa vários gêneros: narrativas, poesia, parábolas, profecias, textos jurídicos, e até literatura apocalíptica. Por exemplo:
O Apocalipse é um livro com símbolos fortes — dragões, catástrofes, bestas — mas que comunicam realidades espirituais do presente.
Gênesis contém narrações simbólicas e teológicas, não necessariamente relatos jornalísticos. O importante é captar a verdade de fé, não fixar-se em detalhes científicos.
Muitos livros antigos usavam o estilo de “contos de guerra” para ensinar verdades espirituais através de cenas heroicas ou dramáticas.
Ignorar o gênero literário pode levar a sérios erros de interpretação.
A Bíblia inteira fala de uma só Pessoa: Jesus Cristo. Por isso, é preciso buscar o sentido espiritual dos textos. Bento XVI insistia: Cristo está presente em todas as páginas da Escritura.
Abraão oferecendo Isaque é uma figura do Pai oferecendo seu Filho.
O Servo Sofredor de Isaías prefigura a Paixão de Cristo.
Os Salmos podem ser rezados imaginando a voz de Cristo.
A Bíblia é Palavra Viva. Não é como um livro de história comum. Foi escrita com fé e deve ser lida com fé. É na oração que a Palavra se torna viva em nós. Como diz o ditado: “Você lê a Bíblia, e a Bíblia lê você.”
Na leitura orante, Deus revela coisas sobre nós que nem nós sabíamos. Mas isso só acontece com uma leitura feita com fé, oração e obediência à Igreja.
Há três grandes erros que precisamos evitar:
Literalismo puro, que ignora os gêneros literários.
Racionalismo excessivo, que trata a Bíblia como um documento científico.
Subjetivismo relativista, que reduz tudo a símbolos sem valor histórico ou doutrinal.
A Bíblia não é um conto de fadas, nem um livro de ciências, nem uma coletânea de metáforas desconectadas. É a história sagrada de um povo e da sua relação com Deus.
O Concílio Vaticano II, na Constituição Dei Verbum, afirma: “Tudo aquilo que os Evangelistas escreveram é verdade.” Não podemos tratar a Escritura com leviandade ou desconfiança.
A Bíblia foi escrita pela Igreja e para a Igreja. Ela é o lugar seguro da interpretação. Foi à Igreja que Cristo prometeu o Espírito Santo para conduzi-la à verdade. Por isso, não basta ler a Bíblia com inteligência: é preciso lê-la com a mente da Igreja.
Na próxima aula, falaremos exatamente sobre isso: por que a Bíblia só pode ser corretamente compreendida dentro da Igreja, como Palavra confiada por Cristo à sua Esposa.
Até lá, que Deus abençoe você. Compartilhe este conteúdo para que mais pessoas conheçam a beleza da Sagrada Escritura. E lembre-se sempre:
É lindo ser católico!