A Oração
Comecemos com uma definição, afinal, a oração? Se nos aproximamos da tradição da Igreja, veremos que os santos e doutores definiram a oração com palavras diferentes, mas sempre com uma mesma essência. São Gregório de Nissa a chamava de “colóquio com Deus”; Santo Agostinho via nela “uma conversa da alma com Deus, feita com piedade e humildade”; São João Damasceno falava da “elevação da mente a Deus”; Santa Teresa d’Ávila, com a simplicidade dos místicos, dizia que era “tratar de amizade, estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama”. Em todos esses testemunhos, há um traço comum: a oração é, antes de tudo, encontro. Não encontro com uma ideia, um sentimento ou uma técnica, mas com uma Pessoa — com o Deus vivo, real, que no espera no silêncio.
Essa realidade, tão elevada e ao mesmo tempo tão acessível, exige uma conversão do nosso entendimento. Muitos rezam com os lábios, mas não com o coração. Outros falam com Deus, mas não O escutam. Há ainda quem repita fórmulas, sem sequer saber o que está dizendo. É possível passar a vida inteira rezando e nunca ter orado de verdade. Porque a oração, se não for um movimento interior de busca, de abertura, de entrega, se não brotar do desejo sincero de estar com Deus, não passa de ruído.
A grande prova disso é o modo como tantos se aproximam, por exemplo, do terço. Quantas vezes, ao rezar, as palavras se acumulam mecanicamente, enquanto a mente vagueia por tarefas, ansiedades, distrações? Ave-Marias lançadas ao ar sem consciência, sem atenção, sem alma. O coração ausente transforma o sagrado em rotina. E, no entanto, o terço, bem rezado, é uma verdadeira escola de contemplação. Meditar os mistérios da vida de Cristo ao lado de Maria, com a mente fixada nas cenas do Evangelho e o coração envolvido em afeto, pode abrir o céu e transformar a alma. Mas isso exige recolhimento, silêncio interior e, sobretudo, verdade.
A verdade, aliás, é a primeira condição da oração. Deus não se deixa enganar por belas palavras. Ele escuta o coração. E o coração só é escutado quando é sincero. Santa Teresa ensina, no Caminho de Perfeição, que antes mesmo de ensinar a rezar, é preciso ensinar a viver. Uma alma presa às vaidades, ao apego desordenado às criaturas, ao pecado habitual, não pode rezar com profundidade. É necessário ordenar a vida, purificar os afetos, buscar a verdade interior. Não porque Deus exija perfeição como pré-requisito, mas porque a oração só floresce onde há espaço para Deus.
É também necessário compreender que a oração é combate. Rezar não é simplesmente um momento de paz, mas também de luta. Contra a carne, que busca prazer e comodidade; contra o mundo, que distrai e rouba o tempo; contra o demônio, que teme o poder da oração e tudo faz para que ela cesse. Quantas vezes, ao dobrar os joelhos, surgem as lembranças, as preocupações, as resistências interiores? Mas é justamente aí que a alma se fortalece. Porque cada ato de perseverança na oração é uma vitória sobre si mesmo. E cada oração feita com fé, ainda que árida, ainda que sem consolações, é um grito que sobe até o céu.
A oração é também escola de humildade. Antes de dizer qualquer palavra, a alma precisa se lembrar de quem é e de quem está diante dela. Santa Teresa propõe que se inicie a oração com um simples pensamento: “Quem é aquele a quem vou me dirigir? E quem sou eu que vou falar com Ele?”. Essa consciência gera reverência. Ela nos impede de tratar Deus com leviandade, como se fosse um servo a quem ordenamos ou um símbolo religioso que manipulamos. A oração verdadeira começa com um ato de adoração — e adoração só existe onde há humildade.
Mas, ainda que elevada, a oração é acessível. Existem métodos, é verdade — Santa Teresa, Santo Afonso, São Francisco de Sales e tantos outros os propuseram. Mas o método, por mais eficaz que seja, nunca é mais importante que a relação. Se o método ajuda, abrace-o. Se atrapalha, abandone-o. O essencial é rezar. O essencial é falar com Deus, escutá-Lo, amá-Lo. Um simples olhar ao Santíssimo, feito com amor, pode valer mais que longas horas de discursos vazios. Como dizia o lavrador ao Cura d’Ars: “Eu olho para Ele e Ele olha para mim.” Isto é oração. E tudo o mais deve estar a serviço disso.
A Tradição reconhece três graus de oração: a vocal, a mental e a contemplativa. A vocal é a que se expressa com palavras, como o Pai-Nosso ou o terço. A mental é a meditação — a reflexão orante sobre as verdades da fé. A contemplativa é um dom mais alto, onde a alma repousa em Deus sem esforço, amando-O silenciosamente, como quem respira. Nem todos chegarão à contemplação, mas todos são chamados à oração vocal e mental. E toda oração vocal, para ser verdadeira, deve ser acompanhada da oração do coração.
Quem começa a rezar precisa ter paciência. No início, tudo é esforço. A mente dispersa, o corpo inquieto, a fé frágil. Mas com o tempo, a alma se habitua ao silêncio. A oração deixa de ser tarefa e se torna necessidade. Depois, torna-se descanso. E, por fim, torna-se vida. A alma orante já não distingue mais entre rezar e existir — tudo nela se volta a Deus. Esse é o caminho dos santos. Esse é o chamado de todo cristão.
Não há santo sem oração. Não há catequista fecundo sem vida orante. Não há evangelização verdadeira sem recolhimento diante do Senhor. Por isso, é urgente que os catequistas, antes mesmo de ensinar os outros a rezar, se tornem homens e mulheres de oração. O fruto do seu trabalho dependerá mais do tempo que passam aos pés de Jesus do que das palavras que proferem diante da assembleia. É no silêncio da oração que a missão ganha força, sentido e direção.
Rezar é amar. E amar é rezar. Oração não é uma técnica a dominar, mas uma presença a acolher. Que cada cristão compreenda isso e se deixe conduzir por esse caminho simples e profundo, onde o coração aprende a habitar o invisível e a viver de fé. Pois é na oração que tudo começa — e é pela oração que tudo permanece.